“Caro mundo e todos nele: é difícil sorrir sempre quando não sabe-se o que as pessoas acham tão engraçado”.
Harmony Korine, o diretor do filme em questão, é conhecido por ser conciso em seus projetos. Não se utiliza – até então, ao menos – de metáforas para exemplificar o que nos diz. É direto. Sem pudores. Em “Ken Park”, por exemplo, roteirizou cenas escatológicas como o garoto masturbando-se com a corda no pescoço. Porém, após passar nove anos longe dos holofotes cinematográficos, ele retorna com o que talvez seja a metáfora nos melhores moldes cinematográficos. A vemos em tudo: do título às mais sutis nuances. E se estou divagando – ao invés de resenhar – “Mister Lonely” é porque essa obra estendeu-se mesmo após sua duração.
Como dito, é por meio de metáforas que “Mister Lonely” aborda a solidão do personagem – um sósia de Michael Jackson. A excêntrica escolha do personagem é, no mínimo, genial. Afinal, que outro ser poderia expressar melhor a solidão como alguém que nem ao menos sabe quem é? Ele não trabalha como sósia, ele é o sósia. Vinte e quatro horas por dia. Dentro e fora de sua cabeça. E é justa essa prisão interior que o filme procura desconstruir durante sua projeção. O que poderia ser um extenso monólogo conflituoso sobre quem é o ser, é, na verdade, um delicioso longa de quase duas horas – que, além de um curioso e bem escrito roteiro, nos presenteia com belíssimas seqüências.
De uma Paris na qual não conhece ninguém – além de seu empresário -, o personagem vai, levado por uma proposta inesperada de uma Marilyn Monroe melancólica, para a Ilha dos Sósias. Antes de chegar, portanto, temos a impressão da magnitude solitária do personagem: esse se despede de seus móveis como se estes fossem seus fãs, seus seguidores, seus amigos. Pois já na Ilha, o que era para se tornar um paraíso, um subterfúgio para seus problemas, acaba por mostrar-lhe a face triste do palhaço. Um Charles Chaplin que é confundido com Hitler. Junto com essa decepção, vem a certeza de que sempre será um deslocado. Mesmo para si. Desse modo, é obrigação libertar-se de sua personalidade até então construída para tentar algo novo. Algo que seja ele.
Paralelamente a estória do sósia, temos o conto das freiras. Com uma participação especial: um padre interpretado por Werner Herzog – amigo e maior influenciador de Harmony Korine. Nesse conto, forma-se o paradoxo da questão de que não podemos zombar ou duvidar de algo que não conhecemos. E o que poderia, até então, ser interpretado como uma mensagem pró-Igreja(s) acaba tornando-se uma crítica à fé cega. Com muito humor-negro, claro – impagável a cena na qual o Padre nos questiona sobre a veracidade dos “milagres” enquanto fuma um cigarro fumarento.
Desde a belíssima abertura*, com um melancólico Michael Jackson correndo numa mini-motocicleta ao som de “Mister Lonely” de Bobby Vinton, já temos a certeza de tratar-se de um longa nada convencional. Como os milagres incompreendidos, os que zombam dos personagens são aqueles que não entendem. Porque para se ter idéia da projeção, é preciso deixar os pudores de lado e embarcar na viagem. Adotar certa empatia na visão. Desse modo, somos presenteados com belíssimas cenas que, com certeza, tocarão a todos que por ela deixarem-se levar.
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